quinta-feira, 15 de maio de 2014

Serviço de utilidade pública #1: LPs piratas vendidos como originais / LPs polidos vendidos como zerados - cuidado!

Olá, amigos!

Hoje passo rapidamente para alertar colecionadores e apreciadores de vinil a respeito de algo bastante comum em nossos dias: cópias piratas, feitas "a pedido", vendidas como os originais. Quase toda vez que temos um disco raro e caro surge um "mercado alternativo", visando satisfazer a demanda daqueles que querem obter o tal disco e não se importam se isso for possível através de uma cópia "alternativa". Um exemplo recente é o do maravilhoso The Boatman's Call do Nick Cave & The Bad Seeds, cujo LP original é bastante escasso e, por causa da demanda, começaram a aparecer cópias piratas no ano passado, as quais estão vendendo bastante. Esse mercado surge também porque nos últimos anos começou a ficar mais fácil entrar em contato com quem faz vinil e produzir cópias de material que não se encontra disponível há muito tempo - daí o termo "a pedido" que usei anteriormente, já que o cliente pode facilmente fazer o pedido de uma cópia única de algum disco raro para uso pessoal. O problema surge quando alguém resolve ir além, fazendo uma cópia pra tentar passar como original e fazer um dinheiro fácil - e sujo - no processo. O que me motivou a fazer o alerta foi o seguinte anúncio no Mercado Livre:

http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-558325188-roberto-carlos-louco-por-voc-lp-impecavel-_JM

O LP Louco Por Você (Columbia 37171), lançado em 1961 e primeiro registro do futuro "Rei" em Long Play, é escasso e vale uma grana, ainda mais se estiver em bom estado ou melhor, quanto a isso não existem dúvidas. É realmente um candidato forte pro mercado alternativo e é até de se surpreender que cópias piratas não estejam "pipocando" pra satisfazer a demanda. Um grande problema é que nosso país ainda é iniciante no que se trata de documentação de discos, prensagens e afins, e ainda é fácil passar uma dessas cópias piratas como um original por fortunas ao invés de investir em uma tiragem numerada pra vender com transparência - e infelizmente é o que se vê no link acima.

Por o que parece ser um bom negócio levando em conta outras cópias - legítimas, diga-se de passagem - em estado similar (ou polidas, mas trato disso logo mais), está sendo vendido um suposto original em ótimo estado por R$3.900,00, cerca de R$1.100,00 mais barato do que o preço costumeiro no Mercado Livre. Vemos até que há gente interessada no campo de perguntas, negociando de diversas formas. Passando os olhos rapidamente nas fotos é fácil ser enganado, ainda mais que o original é escasso e fica difícil ter uma cópia em mãos pra fins de comparação caso o cidadão (ou cidadã) não esteja familiarizado com LPs da Columbia dessa época. Uma olhada com mais calma principalmente na última foto do selo, no entanto, nos entrega a situação: é uma cópia alternativa, provavelmente feita a pedido em algum momento dos últimos anos. É difícil dizer algo definitivo a respeito da capa, mas as fotos do disco deixam claras que não é um original. A partir dessa constatação surge a dúvida: teria sido o vendedor enganado quando ele comprou o disco de outra pessoa ou será que ele próprio fez a cópia? O Vinyl Therapy não está aqui para causar controvérsias e lançar julgamentos, mas vale apontar que no campo de perguntas o vendedor cita ter comprado o disco há mais de 15 anos, e o fez apenas pela raridade do LP já que não possui mais nada do Roberto Carlos. Uma coisa que chama a atenção a respeito dessa história é que há 15 anos ou mais o mercado das cópias feitas a pedido ainda não era de fácil acesso como hoje em dia - hoje basta encontrar o website de uma empresa responsável por cópias, enviar imagens do material a ser copiado, pagar e aguardar recebimento.

Má índole ou não, o que fica claro é que há algo de errado com essa cópia do Louco Por Você. Vejam uma foto de um LP do meu acervo lançado pela Columbia mais ou menos naquela época:



Há alguns detalhes que estão substancialmente diferentes no suposto original do Mercado Livre quando comparados com um Columbia legítimo, entre eles:
* Tonalidade do vermelho mais puxada pra laranja, algo comum de acontecer quando se trata de cópia pirata;
* O selo da cópia do Mercado Livre é totalmente "flat", ou seja: um selo "liso", sem a deep groove (aquela marca circular maior que pode ser vista na imagem do meu 'S Twist, cortando a parte inferior da palavra Columbia) e que também apresenta uma marca circular não compatível com um original no furo central;
* Vendo a última foto do selo dá pra perceber o tipo de material usado na confecção do mesmo - isto é algo que infelizmente fica difícil explicar sem um pirata em mãos, mas quem possui uma cópia alternativa recente pode verificar. O The Boatman's Call que citei no início do post possui selo igual. Recomendo olhar atentamente o lado esquerdo do selo na foto, onde é mais fácil perceber;
* Olhando o lado esquerdo do selo na foto citada também é possível enxergar o que parecem ser falhas de recorte do papel, algo que é muito comum em cópias feitas a pedido (novamente, o The Boatman's Call pirata é um ótimo exemplo);
* As fotos do LP tiradas de uma certa distância nos mostram uma run-out groove (aquela parte escura ao final do disco onde a agulha desliza para ser retirada) que não é compatível com outras cópias legítimas do mesmo disco.

Além dos detalhes citados, é sempre válido questionar a autenticidade de um item quando este é muito raro e de repente aparece em ótimas condições, ainda por cima a preço abaixo do costumeiro. No Brasil, muito que infelizmente, temos poucos casos de LPs raros em tais condições. Uma breve visita ao Mercado Livre, por exemplo, nos ensina que há um nível absurdo de desinformação no que se diz respeito à conservação de um disco e que muita gente pensa que disco com capa detonada e vinil cheio de riscos é "natural", equivalente de "bom estado". Se já não fosse o bastante tanta desinformação e problemas na hora de comprar, ainda surge outro, relacionado, que vale citar pois é uma verdadeira doença do mercado brasileiro de vinis: polimento. É exatamente o que devem estar pensando: com produtos químicos que danificam totalmente o disco um cidadão resolve polir o vinil pra deixá-lo mais "bonito" e aparentemente sem riscos. É como uma plástica: a pessoa acha que mexendo naquilo que era vai se tornar algo melhor. Balela! O polimento não acaba com pulos, ruidos, pipocos e quaisquer outros defeitos que o disco tinha, ele apenas fica visualmente "bonito" e se bobear ainda ganha uma distorçãozinha chata causada pelo processo. O pior é que até nisso é similar à plástica, pois um disco polido tem aparência muito característica e que na minha opinião nem de longe é tão agradável quanto um vinil sem modificações. Os compradores e colecionadores devem ficar atentos aos discos cujas grooves/sulcos parecerem demasiadamente uniformes, quase sem definição. É algo complicado de capturar em foto, mas o disco polido perde a aparência natural das grooves e adquire uma característica quase fosca, causada pelos produtos químicos usados. Dependendo da intensidade do processo até mesmo o número de matriz na run-out groove fica afetado!

O 'S Twist acima, do meu acervo, foi vítima desse processo. Comprado online de uma loja paulista, estava descrito como um disco em "ótimo estado" - no entanto é polido. Entrando em contato com a loja após o recebimento e constatação do processo fiquei sabendo que o dono passa os discos com riscos para outro cidadão, de forma a "limpar os riscos" (o que é impossível, devo dizer). Segundo quem me respondeu o e-mail, eles desconhecem o "procedimento" (colocado entre aspas mesmo por ele), que "está mais para bruxaria" pois eles não sabem exatamente do que se trata, dando a entender que ou eles realmente não entendem do assunto ou preferem acreditar que não há nada de errado no que fazem. Há várias lojas bastante conhecidas adeptas do processo danoso, principalmente em São Paulo - fiquem espertos. Algumas vendem seus discos até no eBay. O polimento também é outra forma de enganar compradores e não está tão distante do caso do LP pirata sendo vendido como original, afinal é um disco modificado vendido como "ótimo" ou às vezes até "zerado". Fechando o círculo e voltando ao nosso caso inicial, há uma cópia aparentemente original do Louco Por Você no Mercado Livre por R$5.500,00, descrita como em excelente estado...

...Seria um disco polido?


domingo, 4 de maio de 2014

Terapia #1: RCA 104.4029 - LOU REED (1972) (original LSP-4701)

Saudações, caros amigos!

Peço profundas desculpas pelo sumiço/demora. Certamente alguns perceberam que eu havia começado um post a respeito do LPM-1254 Elvis Presley, prometendo uma segunda parte. A princípio me pareceu um post ideal para começar o blog, mas sinceramente com o tempo me questionei a respeito da decisão e também sobre a maneira com a qual eu iria desenvolver o post. Não quero que nenhum material apresentado se torne "maçante", ou seja: dividido em várias postagens e apresentando de vez várias prensagens, e isso era exatamente o que eu estava fazendo! Ia ser um começo muito chato pro blog, então apaguei o texto, a idéia e resolvi começar do zero com algo totalmente diferente. Perceberão que no fim de cada post daqui pra frente encontrarão links para download do material - e bônus - em audio, assim vocês podem ir ouvindo todo o material relacionado ao post enquanto lêem a respeito (e, diga-se de passagem, tudo devidamente analisado e selecionado por mim - o show do post de hoje, por exemplo, teve seu 'pitch' totalmente corrigido para que vocês não encontrem problemas na hora de curtir o som).


Ontem recebi uma jóia dos tempos do "bolachão" no Brasil: o 104.4029 da RCA, Lou Reed, lançado em 1972. Esse disco é deveras interessante em vários níveis, a começar que de uma forma geral ele é pouco conhecido quando se fala de Lou Reed. Pense rapidamente no cara e me diga o que vem à mente. Acho que não vai ser grande pecado eu arriscar em dizer que a maioria esmagadora pensou em Transformer, certo? Até mesmo quem não ouve o "Tio Lou" já viu pelo menos a capa um dia! É O disco associado ao artista. Temos também New York, Sally Can't Dance e mais alguns títulos, mas o ponto aqui é que Lou Reed teve uma carreira solo que vai de 1972 a 2012 (quando os problemas de saúde o 'pegaram' e ele se afastou, até infelizmente vir a falecer em 2013, em um domingo, dia 27 de outubro) e raramente alguém lembra que o Transformer não foi o primeiro disco dele. Há algumas razões pra isso, no entanto.

O disco não vendeu bem, pra começo de conversa, já que não trazia nada que fizesse jus à genialidade de Reed e que fosse extremamente original na época de lançamento (abril/72 nos EUA). Não me entendam errado: Lou Reed (o disco) é bom! Mas fica difícil considerá-lo um p*ta disco se levarmos em conta o material do Velvet Underground (que o "Tio Lou" praticamente escreveu todo) e os demais discos solo, que viriam a seguir. Sim, é uma comparação injusta já que em 1972 não dava pra adivinhar que discos melhores viriam, além de que pouca gente conhecia/lembrava dos Velvets e do Reed (ele praticamente desapareceu depois que saiu do VU em 1970, passando 1 ano em bico redigindo na firma de contabilidade do pai, acreditem se quiserem!). O problema é que até por isso o disco deveria ser melhor, afinal de contas era uma questão de reconhecimento e de mostrar que se tratava de um artista genial e com histórico, concordam? Seja lá como for, Rock & Roll bom ou não, o disco não esteve de acordo com os padrões comerciais e esperados e acabou vendendo pouco, o que consequentemente também fez este disco sumir do mercado por anos e anos. E se a RCA já tinha razões suficientes aí pra esquecer esse "debut" fraco, depois do lançamento do Transformer não sobraram dúvidas mesmo! Com a ajuda de David Bowie (fã declarado de Lou Reed e do Velvet Underground e artista contratado da RCA na época) foi criado um LP simplesmente genial, que trazia o melhor do artista que Reed era, com uma sonoridade totalmente original, relevante ao mercado e à música em 1972, e assim se perpetuou a imagem do "Lou Reed Transformer". Nada mais justo.


E aqui no Brasil, já que estou postando o disco brasileiro? Bom, pra começo de conversa, até 1972 o público geral aqui definitivamente não sabia quem diabos eram os Velvet Underground, Lou Reed e por aí vai. Se nos EUA já se tratava de algo underground de fato, imagine aqui! Juntando esse fato com o histórico de falta de documentação que temos no que se diz respeito a datas de lançamento em território brasileiro, divulgação e por aí vai, acabamos com algumas incógnitas do porquê de a RCA brasileira ter dado uma chance a este primeiro LP do Lou Reed. Certamente já se tinha conhecimento de que não havia vendido muito bem lá fora, afinal os discos por aqui sempre apareciam com alguns meses de atraso e o código de catálogo da nossa edição (104.4029, novo catálogo da RCA brasileira - não se preocupem, pois farei um post a respeito disso em breve!) deixa bem claro que o disco saiu no segundo semestre do ano. Transformer só deu as caras lá fora em novembro e apesar do atraso acho que não levou tanto tempo assim pro Lou Reed (o disco) aparecer aqui, até porque daí teria mais lógica lançar o Transformer e não este primeiro LP que sequer vendeu bem. Parece que foi questão de "sorte"! De qualquer forma, uma coisa é certa: se lá fora o disco vendeu mal, aqui foi pior ainda, tanto que o disco é bem escasso e muita gente nem sabe que saiu no nosso país. Fica claro também que o disco vendeu mal pois a nossa RCA não teve coragem nem de lançar o gigante Transformer aqui, que ficou representado apenas por um compacto (Walk On The Wild Side), e só voltariam a apostar no Lou Reed em '74 com o LP Rock 'n' Roll Animal.



Fatos de lado, e a opinião a respeito da música? Volto a dizer algo que comentei anteriormente: não se deixem levar apenas pela quantidade de vendas, o disco é sim uma boa ouvida. Das 10 faixas, 7 são composições da época do Velvet Underground que a banda não lançou em albuns e Lou Reed reaproveitou aqui, mudando alguma coisa nas letras e arranjos. Hoje em dia temos a chance de fazer comparações e constatar que as versões do VU são todas bastante superiores, o que acaba um pouco com a "graça", mas temos sempre de lembrar que em 1972 isso não era de conhecimento do público e fica injusto analisar o disco através desse ponto de vista, de comparações. Penso também que se vamos ouvir o album do início ao fim é pra curtir o material apresentado e não pra ficar comparando, concordam? E ouvindo Lou Reed eu francamente ouço um bom disco de Rock & Roll, coeso, que soube reaproveitar aquelas 7 composições dos tempos dos Velvets e fazer algo que soa uniforme. Não é nada genial pra época, mas quando ouvimos um disco de Rock & Roll não ficamos à espera apenas de genialidade, nós queremos ouvir um disco que mantenha o padrão de qualidade do início ao fim - e este disco faz isso muito bem. Temos boas faixas agitadas, como I Can't Stand It e Walk And Talk It; momentos raros de inocência por parte do Tio Lou, com I Love You e Love Makes You Feel; a versão original da belíssima Berlin, clássica, que acabou gerando um album inteiro em volta da estória, entre outras. É definitivamente um bom disco de Rock & Roll e uma boa ouvida, mesmo não sendo o momento mais brilhante de Lou Reed. Só pra finalizar minha opinião, acho que as duas maiores "falhas" do disco de estréia do Reed foram Ride Into The Sun e Ocean. Acho bacana ele não ter deixado essas duas faixas se "perderem no tempo" e as versões do disco se encaixam bem no todo, mas se for fazer uma comparação com as versões originais, com os Velvets, vish! Ocean, principalmente, é na minha opinião épica na master de 1970, enquanto Ride Into... era impecável na versão VU de '69, lindíssima. Mas deixarei vocês ouvirem e formarem suas próprias opiniões.



E falando em ouvir, fiquem tranquilos: estou deixando logo abaixo três links pra vocês conhecerem o disco original bem como um pouco de história relacionada! O show anexado no segundo link, registrado em 15 de julho de 1972 no King's Cross Cinema, em Londres, é um dos primeiríssimos do Lou Reed como artista solo, e primeiro da turnê do disco de estréia. O repertório traz boa parte das faixas do LP, além de alguns clássicos do VU (White Light/White Heat, Heroin, Sweet Jane - que recebe uma baita reação da platéia - e outras). Já o terceiro link traz uma coletânea que fiz pra vocês, a qual chamei de "LSP-4701: trabalho em progresso" e na qual inclui todas as versões existentes de estúdio dos Velvets para aquelas 7 faixas do LP solo do Tio Lou, além de 5 seleções ao vivo.

Algumas observações importantes que deixo pra vocês antes de ouvirem a coletânea: I Can't Stand It, Lisa Says, Ride Into The Sun e Ocean são versões master e por isso soam mais polidas que as demais. Essas 4 faixas foram gravadas pela banda com um album em mente, o qual não chegou a ser realizado. Ride Into The Sun é uma versão de matriz de acetato, ou seja: que foi feita apenas para fins de análise dos membros da banda. Escolhi essa versão pois se trata do único exemplo da master lançado com vocais - a versão oficial lançada em 1985, de fita, é instrumental (não se sabe ao certo a razão, mas possivelmente haviam perdido a multi-pista com vocais na época). Ocean é a master de 1970, gravada nas sessões para o album Loaded. Na minha sincera opinião é uma versão muito superior à master de 1969 e por isso a selecionei! As versões ao vivo com o Velvet Underground são todas de 1969 e à estas adicionei duas versões acústicas de 1972 para Berlin e Wild Child, até mesmo por motivos históricos. Essas duas faixas foram gravadas em uma reunião de Lou Reed, John Cale e Nico em Paris e são ótimas versões pra completar o "lado ao vivo" da coletânea. Espero que gostem!

Downloads:
01 - Album original: Lou Reed (1972)
02 - Lou Reed ao vivo: King's Cross Cinema, Londres, 15/07/72
03 - A história por trás do disco: versões do Velvet Underground
Peço que, por favor, invistam no material original quando possível e assim ajudem a manter o legado do artista vivo para as próximas gerações! O disco original está em catálogo como parte do box "Original Album Classics". As demais faixas se encontram fora de catálogo no momento, mas não é difícil ainda encontrar os CDs do VU que as possuem. O show foi disponibilizado gratuitamente por fãs para fãs.

Vídeos relacionados:


Espero que tenham gostado do post e que motive vocês a ouvir mais desse fantástico artista que foi e sempre será o Lou Reed, o "Tio Lou" como alguns de nós chamamos.

Até a próxima!
MitsuharuSan